O Grêmio, desde a semana passada, em um de seus melhores momentos dentro de campo nos últimos tempos, trouxe à tona um grave assunto que afeta diretamente seus torcedores, especialmente os freqüentadores da Arquibancada Norte. O Clube voltou a solicitar que o torcedor faça o cadastramento biométrico, porém agora como condição essencial para ingresso no setor.
Argumentos oficiais: imposição do Estatuto do Torcedor ou do Ministério Público; segurança; obrigação para haver festa na torcida; acabar com o comércio paralelo de carteirinhas e ingressos; novo paradigma em um novo estádio; etc.
Cumpre destacar que o setor da Arquibancada Norte não é freqüentado apenas por torcedores ligados às Organizadas, é também, por sócios, torcedores sem poder aquisitivo para adquirir ingresso em outro setor, estudantes, idosos e gremistas de todos os cantos que desejam participar da torcida mais fanática.
Por essa rica pluralidade de gremistas que a maneira como se dá a implantação do acesso biométrico chama a atenção. Não houve o devido debate entre os principais interessados, a saber: os torcedores do Grêmio e os freqüentadores da Arquibancada Norte.
Para fins de contextualização, lembramos que após confusões entre torcedores que geraram processo criminal contra indivíduos e cautelares de suspensão de organizadas, no Juizado do Torcedor, o Grêmio entrou no referido processo, aparentemente, com o interesse de revogar a suspensão de materiais para formar uma banda oficial do Clube.
Assim, em 04/02/2016 foi formalizado um TAC com aditamentos em 12/08/2016 e 02/02/2017 entre o Grêmio, Arena Porto Alegrense e a Promotoria Especializada do Torcedor. Esse termo condicionou as Torcidas Organizadas vinculadas e demais torcedores que acessem a Arquibancada Norte e outro setor onde tenha torcida organizada ao cadastramento e acesso biométrico. Também trata de cronograma de implementação da biometria (exclusivamente para arquibancada norte), de responsabilidades e de reparações. Mas o foco sempre foi o controle total de acesso da Arquibancada Norte por biometria inclusive com pena de interdição do setor em caso de descumprimento.
Depois de tais fatos, fazemos o seguinte questionamento: por que o Clube interveio em processo Criminal em que não era parte? Não há Lei impedindo o Clube de ter uma banda própria, por que precisou intervir num processo em que indivíduos e Organizadas eram partes para tentar uma banda própria, em vez de se utilizar da sua autonomia privada?
O Estatuto do Torcedor exige cadastramento especial – art. 2-A, §único – apenas das Organizadas, não se entende por que o Grêmio aumentou a abrangência dessa obrigação via TAC a todo freqüentador da Arquibancada Norte, visto que é público e notório que o setor não é composto apenas por integrantes de Torcida Organizada.
O torcedor já possui o seu cadastro no quadro social, já faz cadastro para comprar pelo site e em outras situações e ainda é obrigado a passar por procedimento que lembra identificação de investigado em Delegacia Policial, apenas pelo motivo de ir num setor em específico.
Ainda não se entende. Se o foco do Ajustamento era a Banda e Organizadas, por que o Grêmio não deixou de fora materiais neutros (identificados só com o Clube) como bandeiras e bobinas, materiais que deveriam ser liberados à qualquer torcedor? O Estatuto do Torcedor não vincula esses materiais exclusivamente às Organizadas.
Lembramos mais uma vez do sócio/torcedor do interior do Estado, que naturalmente já sacrifica muito do seu tempo para se deslocar à Arena, o que muitas vezes não permite que venha a todos jogos. Esse torcedor terá sorte de chegar a tempo, pela dificuldade do trânsito, em caso de um jogo quarta feira as 19h30min, por exemplo, e ainda fazer o seu cadastro biométrico.
Em jogos de grande movimento, em casos de problemas no acesso biométrico, como se dará o acesso aos jogos? Considerando o costume da maioria dos torcedores em adentrar ao estádio próximo ao horário de início das partidas. Paralelamente, naturalmente pode haver dificuldades na leitura da digital de idosos, bem como, na leitura da digital de pessoas que trabalhem em certas atividades.
Parece que há perseguição ao que fez a torcida do Grêmio ser pioneira e exemplo de apoio para todo o País, principalmente perseguição à espontaneidade do torcedor. “Se queres torcer, enfrentarás toda uma burocracia, além de ser rotulado por frequentar o setor mais barato do estádio”.
Sabe-se que o Clube tem o direito de se gerir, criar requisitos de acesso e permanência no estádio, no entanto é indignante o tratamento discriminatório que está se dado ao frequentador da Arquibancada Norte, setor tão importante para a vida do estádio. Nem torcida adversária tem tantas dificuldades.
Está claro a falta de bom senso na busca de maior segurança, tendo em vista que confusões, vandalismo e atos de violência podem ocorrer, e ocorrem (infelizmente) em qualquer setor do estádio. No último GREnal ocorreu na aclamada bolha de segurança da torcida mista, por exemplo.
Nos deixa perplexos, o fato de o Grêmio assumir obrigações de competência da segurança pública, que no contexto atual deveria garantir o processamento e a punição individual dos infratores, e tem como contrapartida algo que já era seu direito: ter a festa no seu estádio.
O Grêmio do Prata se opõe a forma como está se dando a implementação desse novo sistema, de forma discriminatória. Não foram observados os direitos e somente imposto deveres aos torcedores, com ajustamentos e acordos feitos às portas fechadas, sem diálogo com os maiores interessados e afetados. Uma ação realizada de forma generalizada, dando tratamento aos frequentadores da Arquibancada Norte o mesmo de torcedor organizado, e de forma discriminatória em relação aos demais setores.
O Grêmio de Todos se comprova no tratamento justo ao associado, na satisfação do torcedor em pertencer ao Clube, na resolução das peculiaridades da torcida do interior, no descontrole do estádio, na alegria de vestir a camiseta em qualquer situação, na invasão das três cores nas ruas, no sorriso de canto de boca quando se cruza com o rival, em desconhecidos comemorando como se fossem amigos de infância, não apenas em matéria de revista.
Esperamos que os dirigentes do Grêmio revejam essa conduta e possam tratar o assunto de forma menos excludente e proporcional com o Ministério Público.
Duas últimas curiosidades: está sendo previsto a criação da modalidade Sócio Torcida Organizada sem os mesmos direitos de um Associado, como por exemplo, participar dos processos eleitorais através do seu voto. Qual a real intenção por trás dessa criação? E, por fim, os seguranças que agrediram um torcedor na superior norte por causa de um trapo farão biometria?